Para Xam de Tui
Gonçalo Vasquez López
Eis o carnaval… nos potes fervem cachos de cacheiras e nas cacholas cozinham-se brincadeiras e caralhadas… fogo lento e lume desatado… Dom Carnal… Senhora Cuaresma… e que mais há… esmorgas e amarguras… o eterno retorno das existências relativas… angústias e algueiradas… o sofrimento cíclico do samsara… acorda… eu posso mostrar-te o caminho mas és ti quem o tem que andar….
Estava eu a baralhar ideias para escrever uma entroidada quando recebo um correio do companheiro Xam de Tui. Nele comenta um dito que lhe envia um amigo: “Nunca devemos baixar-nos à lama para discutir com um cocho porque ele goza e nós enchemo-nos de merda”.
Como o axioma do provérbio é muito aplicável à mediocridade dos tempos que correm, deito as ideias do primeiro parágrafo no cesto do lixo e passo a escrever sobre os “imbéciles e escuros” dos que fala o nosso hino. Que fazer com eles? Como devemos comportar-nos na sua presença?
Assim, faço um puzzle com vinte e um sinónimos destas bestas teimosas e outros tantos adágios recolhidos por Erasmo de Roterdão. Insiro as frases retranqueiras do cáustico humanista, ao ritmo de três máximas por dia, em um texto inventado para o caso (com a escrita em latim porque Desiderius Erasmus Roterodamus as escolmou nesta língua) e voilá, agora já temos uma semana inteira de carnaval. Despachemos primeiro a semana e depois prossigamos a conversa.
Segunda-feira
Há coisas que são impossíveis: é difícil soprar e sorver à vez (“simul sorbere ac flare, difficile est”) e também é difícil conversar com parvos, já que o parvo só diz parvadas (“stultus stulta loquitur”). Os estúpidos crêem ter sempre a razão quando a verdade é que carecem de pensamento próprio, pois estes bobos só sabem arar em campo alheio (“alienum arare fundum).
Terça-feira
Os cretinos estão mesmo orgulhosos dos seus disparates porque todos eles acham agradável o cheiro dos seus peidos (“suus cuique crepitus bene olet”). E como esses papa-hóstias são sábios unicamente pela barba (“barbae tenus sapienter”), o seu amor-próprio é tão avultado que ainda se permitem peidar-se na cara de alguém (“oppedere alicui”).
Quarta-feira
Pretender explicar-lhes qualquer coisa a estes badulaques é tão disparatado como escrever na água (“in aqua scribere”), ordenhar cabrões (“mulgere hircor”) ou ensinar-lhe a nadar a um pedaço de ferro (“ferrum natere docere”). Aos alienados que se pensam iluminados só lhes interessa que os demais rezem na sua missa.
Quinta-feira
Por isso não se deve discutir com palermas. Argumentar com imbecis é tão absurdo como irritar os abelhões (“irritare crabrones”) e tão perigoso como excitar o leão (“leonem stimulare”). É imperativo que sejais os donos das vossas opiniões e críticos com o pensamento dos outros, mas se alguma vez pensardes em discordar com tolos, tende muito cuidado porque correis o risco de ter o lobo agarrado pelas orelhas (“auribus lupum tenere”).
Sexta-feira
Um asno que toca a lira (“asinus ad lyram”) é uma andrómena, um oxímoro, porque o asno gosta mais da palha que do ouro (“asinus stramenta mavult quam aurum”), assim que não vos quenteis a cabeça para lhes dar bons conselhos aos jumentos. Estes burros só se escoitam a si mesmos. Jesus Cristo diria que é tão inútil como dar-lhes margaridas aos porcos ou tão estúpido como pedir a lã de um asno (“ab asino lanam”).
Sábado
Aforra saliva e não discutas com fatos. O que lhes dizes não lhes interessa, só estão interessados em conseguir o que querem. Eu falo-te de alhos e tu respondes-me falando de cebolas (“ego tibi de alliis loquor, tu respondes de caepis”). Não importa do que lhes fales porque são uns papa-xoubas que, para foder-te, vão respostar sempre co que lhes pete. Seria mais fácil sacar água das pedras (“aquam ex pamice postulare”) que influir no seu comportamento. Portanto, diz-lhes sempre assim: sapateiro, aos teus sapatos (“sutor, ne ultra crepidam iudices”, literalmente: sapateiro, não opines mais além das tuas sandálias) e vai à procura de outras companhias mais proveitosas para ti e para as quais tu sejas de proveito.
Domingo
Gautama, o Buddha, após o seu despertar, duvidou durante semanas sobre se deveria ou não partilhar com os demais a sua experiência. O que lhe tinha acontecido não era fácil de explicar e não podia ser transmitido em palavras. O pensamento concetual não consegue compreender o que está para além da mente. Mas por fim, movido por uma compaixão infinita, pensou que, ainda que não fossem muitas, talvez houvesse algumas pessoas “com pouco pó nos olhos” para quem a sua mensagem pudesse ser útil. E falou-lhes durante quarenta anos até o seu derradeiro alento, o paranirvāṇa.
Porém nós não somos budas. Já vos disse que aforrar saliva quando se trata com mentecaptos é a melhor estratégia, mas o que nunca vos direi é que deixemos que os ignorantes atuem impunemente. Seria como confiar o rebanho ao lobo (“ovem lupo committere”) ou como colocar o raposo a tomar conta do galinheiro. Nunca mais tropeçar na mesma pedra (“iterum eundem ad lapidem offendere”) pois os idiotas fazem muito mal aos outros e a si próprios e não devemos permiti-lo. E se as palavras falharem, haverá que passar aos actos, mas com prudência já que no país dos cegos, o torto é rei (“in regione caecorum rex est luscus”), ainda que não por isso deixe de estar chosco. E nada máis. Que lunáticos e fanáticos, maníacos e demais espécimes da fauna estulta não vos confundam e que as vossas companhias tenham os olhos limpos ou, quando menos, “com pouco pó”.
Aqui termina a nossa semana de carnaval, mas há sítios onde o entroido nunca acaba. Afirma um princípio hermético que “como é acima, é abaixo” e isso é o que acontece com a osmose carnavalesca.
Na capital do império há quadrilhas organizadas de fachas violentos, criminosos em pé de guerra, chulos de cara ao sol, títeres e titeriteiros e uma rainha do carnaval que gosta da fruta. “¡Qué viva la libertad, carajo!”.
E mais também na junta da Galiza, onde se entrincheira um PP ateigado de mecos que fodem ao país por dentro (velaí como roda o seu presidente) em conivência com tarabelos que agora também o arruínam desde fora (como esse fátuo mentireiro que não é presidente do estado porque não quer).
E ainda mais abaixo o entroido reproduz-se em muitos dos nossos municipios. É o caso do meu concelho, onde sofremos as alcaldadas de um tarambaina do PSOE que já é deputado provincial por méritos próprios. Portanto, antes de terminar, digo-vos o mesmo que costumo dizer às vizinhas e vizinhos de Foz: nunca consintam qualquer abuso de poder por parte de políticos empoleirados, mas tampouco se esqueçam das recomendações do Erasmo quando lidarem com eles.
Isso é tudo. Aproveitemos o carnaval, mas não deixemos que a dignidade da nação seja destruída pelas antroidadas dos imbecis e escuros. Não permitamos que a nossa terra se torne naquela da qual nos fala o poeta de Celanova. Nunca no País dos Ananos, sempre em Galiza.